São Paulo – O que uma
pessoa com um diploma falso de médico pode realizar? João Paulo Primus
Fernandes da Costa, de 44 anos, conseguiu abrir uma empresa de prestação de
serviço hospitalar, realizou mais de 200 plantões e abocanhou R$ 6 milhões da
Santa Casa de Misericórdia de Tatuí, no interior paulista.
Segundo o processo, João
Paulo se passou por outra pessoa para gerir equipe de médicos e atender
pessoalmente pacientes em plantões e consultas regulares na Santa Casa. O
golpista é acusado, ainda, de ter trabalhado em ambulâncias e prontos-socorros
de Itapetininga e Itapeva, também no interior, antes de conseguir o contrato de
prestação de serviço com o hospital.
O esquema na Santa Casa
durou de fevereiro de 2017 a 25 de junho de 2018 – quando o falso médico foi
descoberto e a instituição rompeu o acordo celebrado com a empresa dele. No
início deste mês, a 9ª Câmara de Direito Criminal, do Tribunal de Justiça de
São Paulo (TJSP), decidiu condená-lo a 17 anos e 6 meses de prisão, em regime
inicial fechado.
João Paulo foi
sentenciado por peculato, exercício ilegal da medicina, falsidade ideológica,
uso de documento falso e falsificação de documento público. Irmã dele, a
advogada Lys Raissa Fernandes da Costa, de 39 anos, também foi condenada e
recebeu pena de 8 anos e 8 meses de prisão por ajudá-lo na fraude. Ambos, no
entanto, recorrem da sentença em liberdade.
Documento falso
No processo, João Paulo
afirma que é formado em medicina, desde 2012, pela Universidade Ecológica da
Bolívia, mas admite que não validou o diploma no Brasil nem tinha registro
profissional no Conselho Regional de Medicina (CRM).
Natural de Rio Branco,
capital do Acre, ele se mudou para a cidade de São Paulo no início de 2013 e
começou a atuar no sistema público de saúde, no interior paulista, em seguida.
Segundo alega nos autos, “não tirou o CRM por conta de problemas financeiros”,
já que teria ficado “órfão” e “não teve apoio financeiro para custear as
despesas com o processo de revalidação”.
Fora do radar das
autoridades, João Paulo usou o nome de outro médico para abrir a empresa
“Fernandes & Silva Serviços Médicos Ltda”, em sociedade com a irmã, que
recebeu R$ 6.011.250,14 da Santa Casa de Tatuí. Do valor total, pelo menos R$
253.797,84 teriam sido repassados para ele.
Para isso, o golpista fez
uma inscrição secundária, no Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo (Cremesp), falsificando documentos de um reumatologista de Rondônia. Em
2019, o médico verdadeiro, cujo nome foi usado para fazer o registro da
empresa, publicou um vídeo sobre o caso.
“Fui vítima de um estelionatário, de uma quadrilha que
faz uso de documentações falsas para exercer ilegalmente a medicina no estado
de São Paulo. A pessoa já atuava há mais de três anos com meu nome, com
documentações extraviadas, que devem ter sido burladas e falsificadas”,
declarou, na ocasião.
Condenação
Com o avanço da
investigação, João Paulo saiu de São Paulo e virou alvo da Operação
Cochabambas, deflagrada pela Polícia Federal (PF), em 2019. Na ocasião, os
investigadores cumpriram sete mandados de busca e apreensão em endereços
ligados ao falso médico nas cidades de Santa Luzia D’Oeste, Rolim Moura e
Ji-Paraná, em Rondônia.
O falso médico ficou
alguns meses preso preventivamente naquele ano, mas recebeu liberdade
provisória. Mesmo ainda respondendo ao processo, ele chegou a ser nomeado
secretário municipal de Saúde de Guarajá-Mirim, em Rondônia, em janeiro de
2022.
Com o processo marcado
por apelações e até anulação de sentença, a segunda instância do TJSP decidiu,
em votação unânime, considerar João Paulo culpado por desviar recursos da saúde
pública. O acórdão foi proferido no dia 7 de novembro.
Na decisão, os
desembargadores também avaliaram que Lys Raissa é culpada por ser sócia da
empresa contratada pela Santa Casa e ter aberto contas bancárias em que os
valores eram depositados. A defesa havia pedido sua absolvição.
“Fato é que a própria criação da referida empresa
‘Fernandes & Silva Serviços Médicos Ltda’, mediante utilização de dados e
documentos falsos, teria deixado claro que os acusados não teriam agido de
boa-fé, ao exercerem irregularmente atividade empresária. Ao contrário, a
sociedade teria sido instituída justamente para que pudessem firmar contratos
com o poder público e permitir o desvio de recursos do erário”, escreveu o
desembargador Grassi Neto, relator do caso.
Em nota, as advogadas de
João Paulo afirmam que vão recorrer da decisão. “O escritório Martins e Kuhn
vem a público informar que tomou ciência do acórdão e irá interpor recurso
cabível perante os Tribunais Superiores, uma vez que discorda de vários pontos
do acórdão”, diz.
O espaço segue aberto
para manifestação.
Fonte: Metrópoles